Texto: Raquel Fernandes
Edição: Vinicius Martins
“Porque, para ele, não basta ser um grande profissional, você tem que ser um grande homem, um cara de grupo.” Foram estas as palavras ditas por Paulo Andrade em sua edição do Credencial ESPN, como características fundamentais exigidas por José Trajano ao contratar um profissional para trabalhar com ele. E Trajano acertou em cheio. Desde outubro de 2003 e durante quatorze anos, Paulo Roberto de Andrade, ou só Paulo Andrade como é conhecido, vem trilhando um brilhante caminho de sucesso como um dos maiores narradores de futebol do Brasil.
Nascido em São Paulo em 31 de janeiro de 1979, formou-se em publicidade, mas acabou por seguir a carreira jornalística ao comandar um programa de samba em uma rádio comunitária da região. De forma voluntária, atuava apenas como comentarista de jogos de futebol, já que a narração nunca havia passado por sua cabeça. No entanto, seu dom foi descoberto de uma maneira “acidental” quando o narrador da rádio faltou em dia de jogo, e Paulo se viu obrigado a narrar uma partida. E desde então, nunca mais parou.
Durante alguns anos e passagens por algumas emissoras de TV, reuniu seu material para tentar ingressar em uma grande emissora. Foi então que, em 2003 com a inauguração do Departamento de Esportes do SBT (fato que soube através do Programa da Hebe), conseguiu, após várias tentativas frustradas, um teste para narrar um jogo da Holanda. Paulo narrou, agradou e foi contratado.
Agradou tanto que, mesmo ficando por pouco tempo na emissora, já que o departamento se dissolveu em quatro meses, José Trajano quis o narrador para a sua emissora. “O Paulo do início do SBT, e não do fim” disse Trajano.
Com a cara e a coragem, fez seu teste logo de cara narrando um jogo entre Leeds United e Arsenal. E o fez brilhantemente. Foi aplaudido e ovacionado após a narração, fazendo com que o contrato que seria de alguns meses, se estendesse pra um ano. E por quatorze anos. Desde então, se destaca pela união de segurança, informações precisas, conhecimento e empolgação na medida certa em suas narrações. Sua especialidade é o futebol, no entanto, já demonstrou as qualidades citadas em outras modalidades nesses anos de ESPN: Futsal, Tênis, Boxe, Handebol, Basquete etc. Além disso, Paulo é apresentador dos programas Linha de Passe, Futebol no Mundo – em parceria com Alex Tseng – e algumas edições do Sportscenter.
Em suas narrações, não deixa seu perfeccionismo passar despercebido. Sempre com muitas folhas de sulfite à mão, quase sempre coloridas por seus marca-textos e escritas à mão, Paulo narra os jogos como se possuísse uma enciclopédia sobre os jogadores e os times em campo. Não é à toa que, em várias ocasiões, os fãs de esporte (como são chamados os espectadores da ESPN), se pegam na dúvida de como ele tem tantas curiosidades e dados estatísticos à mão. Resultado de suas horas de estudo anteriores às transmissões, sua dedicação e autocrítica. “Aqui, você não pode dar um “migué”. Se você quer dar informação, estude. Chutar não pode.”
Sua história com o esporte é marcada predominantemente por sua ligação com o futebol internacional. A ele, Paulo dedica sua base como profissional, a construção de sua família e seu sucesso como narrador. “O futebol internacional é tudo na minha vida”, diz ele. E é claro, um gênio que se preze não trabalha sozinho. Se dizem por aí, que para todo Xavi há um Iniesta, então, para todo Paulo Andrade existe um Paulo Calçade, por exemplo. Ou um Mauro Cezar Pereira, ou um Rafael Oliveira, ou um Leonardo Bertozzi. Seja como for, está sempre em boa companhia. O fã de esportes nunca fica decepcionado.
Quando a Liga dos Campeões era transmitida pela ESPN, Paulo era o principal nome das narrações. Era de se esperar. O maior torneio entre clubes do mundo necessitava de um grande nome para guiá-los na TV. E ele o fazia com maestria. Não havia outra possibilidade de se acompanhar um jogo da Liga dos Campeões em outra emissora. Até que chegou o dia em que fomos forçados a encarar essa ruptura. Difícil naquele momento, difícil até hoje. Questão de tempo. A UCL está, temporariamente (espero!), com direitos exclusivos tidos pelo Esporte Interativo. E friso aqui o “temporariamente”, pois a torcida é enorme, e sempre válida.
Uma das maiores provas de seu profissionalismo impecável, veio em uma das (várias) edições de Copas do Mundo que já participou. Em 2014, Paulo foi um dos responsáveis por narrar o tão conhecido e desastroso 7×1. Foi o que melhor o fez. Para ele, estar no comando da transmissão da pior derrota da maior seleção de todos os tempos foi um grande desafio. Conseguir encontrar o tom correto, não deixar transparecer a decepção para quem assistia, manter igual postura em todos os gols da Alemanha e até mesmo no único gol do Brasil. “Se houvesse uma única pessoa em casa torcendo pela Alemanha, eu precisava narrar pra ela. E narrei. Mas foi a mais difícil da minha carreira.”
Na prática do esporte, Paulo passou pelas bases do Corinthians, Portuguesa e outros times. Parou para estudar Publicidade. Hoje em dia, é zagueiro e capitão do time da ACEESP (Associação dos Cronistas Esportivos de São Paulo). E até nisso se considera extremamente perfeccionista. Esteve, nos últimos cinco anos, presente em quatro finais do campeonato. E finalmente, pra acalmar seu lado competitivo, o título veio na última semana.
O Arsenal, para o narrador “o melhor da era moderna da PL, e um dos maiores da história do Campeonato Inglês de todos os tempos”, foi o protagonista de sua primeira ligação com o futebol internacional. Recentemente, o narrador completou 15 anos de ESPN. Em entrevista à Raquel Fernandes, Paulo relembra aquele 1º de Novembro de 2003, onde narrava o primeiro capítulo de sua vitoriosa trajetória.
Confira a entrevista:
ARAGUAIA ONLINE: Desde que começou a atuar como jornalista em rádios comunitárias, até os dias de hoje em que trabalha em uma das maiores emissoras de esportes do país, qual o maior aprendizado você carrega consigo?
PAULO ANDRADE: Muito difícil determinar apenas um grande aprendizado. São tantas coisas que surgem pelo caminho, mas acho que, para definir um que considero fundamental, é necessário estar sempre aprendendo. Humildade, autocrítica, determinação, e dedicação me levam sempre a achar que posso melhorar, evoluir, estar perto daquilo que considero um bom trabalho. E agradar a mim mesmo é o mais difícil, pois sou absolutamente perfeccionista em relação ao que faço.
AO: Partindo do princípio que é muito difícil separar o que é TV aberta e TV fechada no que diz respeito à transmissão de futebol, já que quem assiste à ESPN assiste também às emissoras “X” e “Y”, como você se sente sendo considerado um dos maiores narradores do Brasil juntamente com outros nomes importantes?
PA: Primeiramente, obrigado pelo elogio imputado na pergunta. Bem, eu acho o reconhecimento muito importante. Claro que sei que jamais agradarei a todos, e nem tenho essa pretensão, mas receber um elogio, uma mensagem carinhosa, um abraço sincero daqueles que gostam do meu trabalho é extremamente gratificante. Agora, como me sinto? Mais pressionado (no bom sentido) a continuar melhorando, aprendendo e me dedicando para agradar mais e mais àqueles que me acompanham.
AO: Você preza muito a chamada “narração técnica”, a qual exige certa entonação de voz, o uso de palavras adequadas de acordo com o momento, e um começo, meio e fim nos lances de gol. Dois destes (o do Vardy contra o Liverpool e o do Neymar contra o Villareal) foram marcados por uma emoção incontida. A partir de que momento fica difícil medir a técnica e a emoção em uma narração?
PA: Já disse algumas vezes, acho que o maior desafio da carreira de um narrador é conseguir misturar emoção e técnica num mesmo trabalho, e na medida certa. Não acontece do dia para a noite. Ao menos, comigo, não aconteceu. A experiência me trouxe essa possibilidade. Eu comecei a narrar prezando muito pela construção técnica do meu estilo, a informação durante os jogos, a agilidade, e etc, mas aos poucos, com o alcance de mais de firmeza, confiança em mim mesmo e muita dedicação, eu consegui me “deixar levar” por momentos especiais que tive o privilégio de acompanhar e relatar ao fã da ESPN, sair da narração técnica e soltar a voz, usar termos diferentes, e falar com o coração. E digo: essas narrações mais emocionantes são as que mais marcam a minha carreira e ficam na lembrança dos que puderam ouvir, o que também é uma honra muito grande.
AO: Além de narrador, você pratica o futebol como diversão. Você, ao jogar, se imagina narrando aquela partida em que participa, ou se desliga totalmente do seu ofício?
PA: Me desligo absolutamente. Sou muito competitivo, confesso. Dificilmente jogo por brincadeira. Acho que pode ser um pouco da síndrome do “boleiro que não deu certo”, já que tentei ser jogador profissional até os 19 anos, antes de desistir. Mas o Paulo profissional é um, o “jogador” é outro. Quem me assiste jogar e conhece o meu trabalho costuma ligar as duas coisas, é inevitável. Claro, aceito as brincadeiras, numa boa. Agora, jogar futebol e ter feito boa parte da vida nas categorias de base de clubes importantes, me ajuda bastante nas narrações, no momento em que é necessária uma intervenção ou opinião mais embasada. Da pra dizer que, jogar futebol melhora a minha narração, imagino.
AO: Você é um dos principais nomes aclamados para narrar jogos de videogame, como o FIFA ou o PES. Já até mostrou certa intimidade com os mesmos quando, em uma partida mediada por Alex Tseng, enfrentou o representante da ESPN Games, Lucas Ohara. Na ocasião, o Manchester United (de Lucas) venceu o seu Manchester City por 2×0 apenas no segundo tempo da prorrogação. Você toparia a oportunidade de narrar estes games?
PA: Claro que sim. Deve ser muito legal. Na verdade, faz alguns anos, cheguei a emprestar a voz para um jogo de vídeo-game, ou PC, algo virtual. O projeto não deu muito certo, tanto que nem me lembro o nome do jogo, mas tive a oportunidade estar no estúdio e gravar. Foi muito divertido. Também por gostar de jogar seria um privilégio receber esta oportunidade.
AO: O seu contrato com a ESPN vai até o fim deste ano e, com certeza, você deve receber propostas de outras emissoras. O que te faz permanecer na ESPN?
PA: A ESPN é uma marca muito forte, grande. Enquanto eu continuar recebendo boas oportunidades profissionais, e estiver agradando àqueles que comandam o canal, não há motivo para sair. Mas sempre estarei em busca de evolução e melhores oportunidades. Se eu perder isso, a minha carreira perde o sentido, penso.
AO: Você assiste à outras emissoras?
PA: Sim, claro. Muitas delas.
AO: Desde 2012, você narra a maioria dos clássicos entre Barcelona e Real Madrid. Um deles em particular, fez com que a ESPN batesse recorde de audiência, superando até mesmo as transmissões de TV aberta. Este é, para você, o jogo mais emocionante de se narrar na atualidade?
PA: É um dos que mais exigem dos profissionais nele envolvidos, sem nenhuma dúvida. Depois da perda dos direitos da UCL, “el clasico” passou a ser o jogo mais importante para os canais ESPN em diversos aspectos. É impossível narrar este jogo sem se preocupar com a sua magnitude. Agora, o “mais emocionante” acho sempre que é o que está por vir. Graças a Deus tenho a oportunidade de narrar clássicos enormes do futebol mundial, e sempre acredito que o próximo pode superar a emoção do anterior. O meu desafio é estar à altura de cada um.
AO: Olhando para a sua trajetória sofrida a princípio, mas desde então de muito sucesso e dedicação, você considera que ter se tornado jornalista e narrador esportivo foram as suas maiores conquistas? Se não, quais foram?
PA: Minha maior conquista é a formação da minha família, mas claro, sem nenhuma dúvida, as conquistas diárias que a profissão me trouxe são parte importantíssima da minha vida. Agradeço à Deus, diariamente, por ter me dado o dom de narrar e apresentar, e continuar me permitindo melhorar a partir da vida confortável que o jornalismo me oferece.
AO: Você tem um “ritual” de estudos para preparação de jogos, estudando por volta de três horas, fazendo anotações em papel sulfite e marcando dados importantes com marca-textos. Quais são os jogos mais difíceis para os quais você tem que se preparar?
PA: Eu sou meio “tarado”, no bom sentido. Costumo me preparar muito e de igualmente para todos, ou quase todos os jogos que narro. Mas é indiscutível que procuro estar mais ligado, focado, preparado, atento em jogos maiores. Eu sou movido por eles. Quanto maior é a representatividade do jogo, mais motivado eu fico para fazer um grande trabalho.
AO: Quais conselhos você daria aos jovens aspirantes a carreira de narrador esportivo? O que fazer para ser um bom profissional da área?
PA: Primeiramente, buscar saber se tem o dom. Acho que, especificamente para narrar, se não houver dom é quase impossível seguir em frente. É impossível aprender a narrar, mas fundamental aperfeiçoar o dom, quando o tem. Para ser um bom jornalista é necessário amar muito o que faz, pois o caminho é dificílimo, ser perseverante, e ter vontade de melhorar sempre. O resto acontece naturalmente.
AO: Qual o balanço você faz da sua carreira nestes 15 anos de ESPN?
PA: A ESPN me deu todas as oportunidades que tive para melhorar e continuar em busca de destaque na profissão. Sou e serei grato eternamente. O PA de 2018 é infinitamente diferente do de 2003, que chegou ao canal com 24 anos, e muito graças às chances que recebeu ao longo desses 15 anos.
AO: Para encerrar, agradecendo por sua honrosa participação e entrevista, deixe uma mensagem a todos os nossos leitores que te acompanham.
PA: Quero agradecer pela honra de apresentar um pouco mais de quem eu sou através dessa entrevista, e a mensagem é acreditar sempre em seus sonhos e fazer todo o possível para realizá-los. Perseverança, honestidade, trabalho e fé em Deus.