Quando a confiança em um dos homens mais poderosos do mundo é colocada contra a parede, é possível se questionar: até onde se pode acreditar no que é dito por uma pessoa? Como acreditar que uma fonte seja realmente digna de fé? Como manter séria a notícia disseminada de forma viral?
Por Jairo Menezes e Daniel Figueredo
Edição: Profa. Patrícia Drummond
A credibilidade das informações a cada dia é colocada em xeque, isso é uma constatação antiga. A novidade vem das mídias e de como as pessoas acessam esses fatos diariamente, com velocidade e quantidade em escalada. Mas há um zelo maior a quem está em evidência, como o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, que enfatiza: se o produto jornalístico não me traz benefícios, é fake news. Com a velocidade que se usa expressões como Links e prints, a rapidez dos compartilhamentos por meio da Internet está na ponta dos dedos, pelo celular. Os aparelhos são extensões dos corpos e os corpos estão sempre conectados.
Um exemplo de quem teve a imagem desgastada pelas fake news é um dos homens mais poderosos do mundo, Donald Trump, o presidente republicano dos Estados Unidos. Trump tem o hábito de declarar como falsa notícia todas as publicações jornalísticas que não o favoreçam diretamente. Antes mesmo de tomar posse, disse ao jornalista da CNN Jim Acosta, entre ataques a veículos de comunicação: “Não seja rude. Eu não vou te deixar fazer uma pergunta porque você publica notícias falsas. Quieto!”
O episódio deu início a uma série de ataques aos veículos de comunicação. Após a posse, quando as coberturas de alguns veículos citaram o número menor de pessoas que a posse de Barack Obama, Trump recorreu ao Twitter, a rede social preferida do presidente. Chamou o New York Times de fracassado, pela cobertura feita. Pouco tempo depois, voltou a atacar jornalistas na rede social: “A mídia das notícias falsas não é minha inimiga, mas sim do povo americano”. O tom foi parecido com o de Richard Nixon, que abertamente detestava jornalistas e caiu após vazamentos na imprensa revelarem práticas ilegais da Casa Branca.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT, na sigla em inglês) revela um dado alarmante: todos os dias, 70% das informações repassadas, são falsas. A pesquisa, publicada em março de 2018 pela Revista Science, foi realizada entre 2006 e o ano passado, e constatou que mais de 126 milhões de compartilhamentos foram feitos durante o período, só no Twitter — ou seja, em um espaço de proliferação de informações com apenas 140 caracteres, mais de X% foram mentirosas.
Comportamento
Um reflexo disso está no comportamento da sociedade de hoje. O estudante de Direito do 5º período Mickael Gonçalves Correia, de 18 anos, é um dos exemplos. Estagiário em um gabinete da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, diz que ao final do dia já não se lembra mais com clareza de todas as cerca de 500 informações recebidas. “Mas eu sempre procuro saber da fonte, porque muitas dessas informações são falsas, já que chegam sem fonte crível. Se vêm acompanhadas de link para portais de reconhecida credibilidade, aí sim, eu vejo com mais crédito. Hoje eu tenho o G1, o Folha de São Paulo e New York Times como referência, mas existem outros bons”, avalia.
O jovem acessa as informações pela internet de todos os modos: computador, tablet e celular. O aparelho telefônico, no dia da entrevista, tocou quatro vezes. Em compensação, em um dos aplicativos, de mensagem instantânea, mais de 30 conversas — entre individuais e grupos — haviam chegado no mesmo dia, até as 17 horas. Não foi possível checar quantas mensagens, nem quais delas foram críveis ou não.
ENTREVISTA
Publicitário e doutorando em Comunicação Política, Marcos Marinho é goiano. Depois de trabalhar em veículos de comunicação de reconhecimento nacional e ser professor universitário na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), hoje mora em Lisboa, capital portuguesa. Ele fez uma análise sobre a atual situação do jornalismo, a relação do crível e do fato, além de comentar sobre o presidente norte-americano Donald Trump com notícias negativas: “Donald Trump rotula como fake news tudo que não lhe é favorável”, disparou. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Araguaia Online:
Diante das suas coberturas internacionais, você percebeu que as falsas informações têm se tornado constantes?
A checagem da informação deveria ser um hábito já muito antes de toda essa celeuma criada pelo atual “pânico das fake news”. Informações enviesadas, tendenciosas e, até mesmo, falsas sempre circularam no contexto social. Portanto, não são um fato novo. O que, talvez, seja mais recente, e já nem é tão recente, é a ampliação de canais e produtores de informação que temos atualmente.
Acredita que Trump, que teve fama após participar de um programa de televisão, tem um jogo marqueteiro de combate ao bom jornalismo?
Trump se comporta de modo bastante estratégico frente a todos os cenários que não lhe são favoráveis. Em especial, no caso da mídia, o presidente dos EUA faz uso de uma tática já conhecida que é: tornar-se ele o principal referencial para seus seguidores. Trump tenta cooptar a primazia da divulgação das informações sobre seus atos e governo e atua com toda a força para desacreditar qualquer outra voz que destoe de suas “verdades”. Por ter executado um processo de longo prazo de consolidação de imagem, e tê-lo feito sempre em uma linha que atraía parte do povo estadunidense, Trump, agora com todo poderio da Casa Branca ao seu lado, opera para tornar-se, sempre, a fonte “oficial” de informações que devem ser aceitas pela população. Isto, dentro de uma perspectiva maquiavélica, é uma ação extremamente inteligente, apesar de absurdamente desonesta. O fato é que, quem controla o discurso, controla a “verdade”. E quem detém a verdade, manipula a opinião pública.
As fake news podem ter interferido nas eleições dos Estados Unidos que levaram Trump à Casa Branca?
Sim. Acredito que a maximização da circulação de informações que beneficiavam Trump, aliado ao apagamento das versões contrárias, acabou por fazer preponderar uma interpretação equivocada dos fatos e do contexto eleitoral, o que pode ter impactado nas decisões dos votantes, dos não votantes e, no caso dos EUA principalmente, dos delegados dos partidos.
Acredita que com o impedimento do trabalho da imprensa é possível se aumentar boatos, fofocas e a incidência de fake news?
É uma questão um bocado mais ampla. Acredito que a falta de uma deontologia jornalística e de regulação do meio, sim, pode contribuir para a desinformação. Mas os problemas do jornalismo vão para além disto. Há anos temos percebido uma crise de credibilidade se abatendo sobre as empresas jornalísticas e, além disso, também temos visto explodir o número de fontes de “informação” que passaram a dividir espaço com fontes jornalísticas tradicionais, fragmentando as audiências. Ainda vimos a falência do modelo de negócio das principais empresas de jornalismo, o que acarretou a perda de grandes profissionais e o desinvestimento na área. Todos estes fatos, a meu ver, contribuíram para esse boom que assustou as sociedades pelo mundo.
Sem dúvidas, o cerceamento da imprensa livre atua para cegar a população em relação aos fatos cotidianos, mas a atuação de maus veículos e maus jornalistas também contribui para o engodo e a manipulação das audiências. Pessoalmente, ainda considero que a “descoberta” das fake news gera mais estrago que as próprias fake news. As audiências lidam com mentiras veiculadas por órgãos de imprensa desde que eles começaram a existir. O que considero ser mais grave, agora, é que o medo da falsa notícia tem tomado o lugar da presunção de veracidade, o que, também, é extremamente prejudicial para as sociedades. Uma prova disto é o que faz Donald Trump ao rotular como fake news tudo aquilo que não lhe é favorável.
Com advento das tecnologias, o jornalista tem que ser mais crível?
Este é, no meu entendimento, o ponto mais importante: a credibilidade da fonte. Veículos e jornalistas precisam legitimar-se como fontes credíveis perante as audiências. Isto não é tão simples, principalmente com a predisposição das pessoas em desconfiar das fontes e, o que é mais grave, o hábito de usar as fontes apenas para confirmar aquilo que já pensam, ignorando o fato de ser ou não verdade. Mais do que nunca, acredito na fala de Aristóteles quando dizia que: “quem legitima o discurso é o discursante”.
Confira alguns momentos de fúria do presidente norte-americano, quando Trump agrediu a imprensa:
1 – Cerimônia de posse
2 – Primeira entrevista coletiva como presidente
3 – Chamou CNN para briga