Texto: Raquel Fernandes
Edição: Vinícius Martins
Foi realizada na última quarta-feira (29), a primeira sessão do Projeto de Extensão Cineclube Araguaia 2018/2, como parte da programação da Semana de Integração Acadêmica. Na ocasião foi exibido o filme O Dia que Durou 21 Dias, para relembrar a ditadura militar no Brasil e os 50 anos do Ato Institucional nº 5.
A Semana de Integração da Faculdade Araguaia reuniu calouros e veteranos dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, além de grandes nomes da comunicação, como o Professor Renato Dias, a jornalista Glória Drummond e o coordenador do curso de Jornalismo da PUC-Goiás, Antônio Carlos.
O evento apresentou o documentário AI-5 – O Dia Que Não Existiu, dirigido pelo jornalista Paulo Markun, que mostra a crise política que motivou a decretação do Ato Institucional nº 5, levando ao extremo o autoritarismo do regime militar, em 1968. Por fim, a mesa redonda composta pelos convidados discutiu suas experiências com a ditadura militar, além dos efeitos que a mesma causou na imprensa brasileira.
Para entendermos o contexto
Quando falamos em ditadura, nos referimos a qualquer regime de governo autoritário em que todos os poderes estão sob autoridade de um indivíduo ou de um grupo. No caso de uma ditadura, ou regime militar, que é aquele composto por militares, o grupo que detém o poder quase sempre chega a ele por meio de um golpe de Estado.
As ditaduras militares que não contam com o apoio popular são marcadas pela crueldade, por perseguições e torturas aos defensores da oposição, e pelo desrespeito aos Direitos Humanos. Um golpe de Estado consiste no derrubar de um governo legítimo, podendo apresentar características pacíficas ou violentas. Portanto, o controle do Estado passa subitamente das mãos de um governo constitucionalmente eleito para outro grupo de governantes. No caso de uma ditadura militar, esse controle é exercido por uma equipe de militares.
Uma das características destes regimes, é que eles geralmente se apresentam como apartidários, ou como um partido “neutro” que pode trazer a liderança necessária para a sociedade em tempos de crise. Eles também tendem a retratar civis como políticos corruptos e ineficazes.
Em casos extremos, e como demonstração desta liderança, o militar, ou conjunto de militares no comando, implantam um sistema de leis denominado lei marcial. Este sistema consiste na suspensão de todas as (ou parte das) liberdades fundamentais do cidadão, como o ato de se deslocar, se reunir e principalmente manifestar sua opinião.
Ditadura militar no Brasil
No Brasil, o regime militar ocorreu entre 1964 e 1985. Também conhecido como Quinta República Brasileira, o país permaneceu sob a influência de sucessivos governos militares durante mais de 20 anos. As tensões políticas se destacaram no Brasil na década de 1950 quando importantes círculos militares, os quais adquiriram grande poder político após a vitória na Guerra do Paraguai, se aliaram a ativistas de direita na tentativa de impossibilitar que presidentes como Juscelino Kubistchek e João Goulart tomassem posse, devido à sua concordância com ideologias comunistas.
Em 1961, Goulart foi autorizado a assumir o cargo, sob um acordo que diminuiu seus poderes como presidente com a instauração do parlamentarismo. No entanto, este sistema durou somente um ano dando lugar ao presidencialismo, o que fez com que os poderes de Goulart crescessem e o fizessem propor a implementação de políticas de esquerda, como a reforma agrária e a nacionalização de empresas em vários setores econômicos.
Com o receio de que o Brasil se unisse a Cuba como parte do bloco comunista da América Latina, políticos influentes, setores conservadores da Igreja Católica, os latifundiários, a burguesia industrial e uma parcela da classe média solicitaram uma “contra-revolução” por parte das Forças Armadas para afastar João Goulart do governo. O golpe se consolidou na madrugada de 31 de março de 1964, quando tropas militares, sob o comando do general Olympio Mourão Filho, se mobilizaram para o Rio de Janeiro, onde Goulart se encontrava, o que o fez partir para o exílio no Uruguai.
O primeiro Presidente da República no regime militar foi o marechal Castelo Branco, o qual afirmava que a intervenção era apenas temporária e tinha caráter corretivo. No entanto, as Forças Armadas, lideradas pelo general Artur da Costa e Silva, não tinham como prioridade o caráter moderador, mas sim estipular a linha dura de reprovação às atividades políticas esquerdistas, consideradas pelos militares golpistas como “terroristas”.
Imediatamente após a tomada de poder pelos militares, foram estabelecidos dezessete Atos Institucionais, que eram conjuntos de normas e decretos utilizados como mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, designando para eles próprios vários poderes extraconstitucionais. Por meio das normas estabelecidas por estes atos, o governo militar tinha o poder de alterar a constituição, cassar leis legislativas, instituir eleições indiretas para presidentes da República, dissolver todos os partidos políticos existentes no país, estabelecer regras para a reforma agrária, banir do território brasileiro as pessoas consideradas “perigosas para a segurança nacional”, entre outros.
Um dos Atos Institucionais que mais merece destaque é o AI-10, que atingiu direta ou indiretamente os cargos administrativos, as instituições de ensino e as organizações consideradas de interesse nacional, por meio de cassações e suspensões de direitos políticos. Por este motivo, mais de 500 pessoas foram atingidas com punições, entre elas membros do Congresso Nacional e das assembleias estaduais e municipais, jornalistas, militares, diplomatas, médicos, advogados e professores.
Em 13 de dezembro de 1968, entrou em vigor o mais duro golpe na democracia que deu poderes quase absolutos aos militares, o Ato Institucional número 5. Este se tornou o maior marco da repressão durante o regime militar. Chamado de “golpe dentro do golpe” pelo jornal Correio da Manhã, esse decreto marca o período denominado “anos de chumbo”, que vai do governo de Costa e Silva até o fim do Governo Médici.
O estopim para a implantação do AI-5 ocorreu no contexto das manifestações estudantis, com a morte do estudante Édson Luís Souto durante um protesto contra o atraso das obras no restaurante estudantil Calabouço, no estado do Rio de Janeiro.Em resposta, o deputado Márcio Moreira Alves, do Movimento Democrático Brasileiro, discursou no Congresso sugerindo que a população sabotasse o desfile de 7 de Setembro e que as mulheres não se relacionassem com oficiais que fossem coniventes com a violência operada pelos militares. Por isto, o AI-5 passou por cima da Constituição elaborada pelos próprios militares e deu amplos poderes ao Executivo para perseguir e punir seus opositores retirando-lhes qualquer garantia constitucional.
Dentre as medidas decretadas pelo AI-5, estava o fechamento do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas, a permissão para o governo federal, sob pretexto de “segurança nacional”, para intervir em estados e municípios, a ilegalidade das reuniões políticas não autorizadas pela polícia causando diversos toques de recolher em todo o país, o cancelamento do habeas corpus por crimes de motivação política, a suspensão dos direitos políticos dos cidadãos considerados subversivos, privados por até dez anos da capacidade de votação ou de eleição, e a censura da imprensa e de todo tipo de arte, como teatro, música, cinema e televisão, mesmo por motivos vagos como a subversão da moral ou dos bons costumes.
O AI-5 se instaurou no país por 11 anos, e durante os seus primeiros meses, a população vivia um terror. Vários servidores foram aposentados ou cassados, intervenções foram realizadas na diretoria de sindicatos a fim de excluir lideranças de oposição, estudantes, professores e demais funcionários das universidades também foram alvo dos militares que, a partir do Decreto nº 477, passaram a suspendê-los por considerarem que praticavam “atividades subversivas”. Além disso, militares perseguiram, prenderam e torturaram milhares de pessoas, levando centenas a óbito, algumas cujos corpos até hoje não foram encontrados.
Em um contexto de euforia nacionalista e milagre econômico, o AI-5 teve espaço amplo de atuação, gerando reação contrária de resistência que fortaleceu os movimentos de oposição e a luta armada.
Ditadura militar e a imprensa
O regime militar atingiu direta e violentamente a imprensa brasileira. Os jornais O Estado de São Paulo e Correio da Manhã foram invadidos pela polícia e suas edições impedidas de circular. Antes mesmo que o AI-5 fosse divulgado através da Hora do Brasil, a polícia já havia prendido milhares de pessoas consideradas um perigo para a segurança nacional. Com a implantação deste ato, o país viveu uma censura aos meios de comunicação jamais vista no país. Novelas, peças de teatro, livros e até mesmo o Balé Bolshoi foi proibido de se apresentar no Brasil, por ser russo.
Diversas personalidades públicas foram forçadas ao exílio após a edição do AI-5, dentre elas os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque de Holanda. Durante o regime militar, alguns periódicos, como O Estado de S. Paulo, ainda tentaram preservar sua autonomia, no entanto o governo passou a utilizar a figura do censor para supervisionar a redação desses jornais, tentando manter o máximo controle possível sobre as informações veiculadas.
A censura aos meios de comunicação impressos tradicionais levou um grupo de profissionais a investir numa outra vertente, que foi chamado de imprensa alternativa, ou nanica, e se tomou o principal meio de denúncia das barbaridades cometidas pelos militares. O idealizador e criador da imprensa alternativa foi o humorista Millôr Fernandes, que produziu a revista Pif-Paf, em maio de 1964. A revista reuniu um grande número de artistas, cujo objetivo era criticar os valores da sociedade burguesa e as excessivas perseguições políticas, desaparecimentos e torturas do recém-instalado regime militar.
A bipolaridade invadiu os meios de comunicação no Brasil, deixando de um lado as mídias que apoiavam o Golpe, as quais tinham guarida legal e muitas vezes apoio econômico para operar, e de outro as mídias que eram opostas à ditadura. Neste período os estudantes, os intelectuais, os engajados políticos e os comunicadores foram as principais vítimas do sistema que contestavam.
Em 1970 foram criados os DOI (Departamento de Operações e Informações) e os CODI (Centro de Operação e Defesa Interna). O DOI-CODI na prática era uma máquina de repressão e tortura, utilizando seus porões para violentar os prisioneiros com choques elétricos, afogamentos, palmatórias, e em alguns casos, até mesmo a morte. Um dos casos mais enfáticos de tortura e morte no DOI-CODI foi do jornalista Vladmir Herzog, o qual foi encontrado com um cinto amarrado ao pescoço, e dado como suicida pela imprensa que apoiava a ditadura.
Mestres e historiadores falam sobre a Ditadura
Em entrevista ao Araguaia Online, o historiador Renato Dias destaca as conseqüências políticas, sociais e econômicas do regime para o Brasil, e dá a sua opinião sobre a maior ameaça à democracia do país.
Confira a entrevista:
ARAGUAIA ONLINE: Qual a sua visão sobre a Ditadura Militar no Brasil?
RENATO DIAS: Um golpe de Estado civil e militar depôs, em 1 e 2 de abril de 1964, o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Um nacional-estatista. Em sua versão trabalhista, Jango queria executar as Reformas de Base para construir um país menos desigual e mais democrático. Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica-, com o aval do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, além da cobertura negativa intensiva dos grandes conglomerados de comunicação e financiamento dos Estados Unidos, sob Lyndon Johnson, instalaram uma ditadura que durou 20 anos. Com milhares de presos, torturados, exilados, mortos, desaparecidos e demitidos. A economia produziu elevado endividamento externo, inflação, fome e desemprego. Com censura.
AO: O que significa para o país o marco de 50 anos da época mais violenta de sua história?
RD: 50 anos depois. O Brasil sofre, em 2016, um golpe pós-moderno. Líquido. Frio. Sem tanques e com togas. Com o aval de um Congresso Nacional financiado por recursos ilegais. Com o suporte dos EUA e dos monopólios de mídia. Controlados por apenas sete famílias. Um impeachment sem crime de responsabilidade. O resultado? 27,7 milhões de desempregados e desalentados; 36 milhões no mercado de trabalho informal ou invisível, sem renda fixa, direitos trabalhistas ou previdenciários; 19,5 milhões de pessoas na pobreza extrema, com consumo de menos de um dólar por dia. Com 63 mil homicídios em 2017. Maior do que a Guerra na Síria. Retrocessos políticos e sociais. Triste. Trágico.
AO: O Brasil ainda tem características deixadas pela Ditadura?
RD: O Brasil não puniu os responsáveis por prisões ilegais, torturas e desaparecimentos. O racismo, a homofobia, o sexismo, a misoginia, a xenofobia e a violência nas ruas, delegacias e no sistema prisional, constituem heranças das ditaduras do Estado Novo – 1937 à 1945 – e civil e militar – 1964 à 1985.
AO: No atual cenário político e econômico em que o país se encontra, qual seria a maior ameaça para um possível retorno do regime militar?
RD: O capitão do Exército na reserva Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas para a Presidência da República é, hoje, a maior ameaça para a frágil democracia do Brasil.
A professora Viviane Maia, jornalista e coordenadora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Faculdade Araguaia, reitera a importância da discussão sobre a ditadura militar, não só nos cursos de comunicação social, mas em todas as outras graduações. Ela afirma que existe a necessidade do conhecimento deste capítulo negro e recente da nossa história, por parte dos alunos.
“O que a gente propõe aqui na faculdade com esta discussão, é resgatar o que foi este período no Brasil, o que ele representou para o país e de que forma ele impactou na vida das pessoas e no jornalismo.” Viviane ainda destaca a importância de todo brasileiro conhecer a sua história e este capítulo da ditadura, para que não hajam clamores por parte da população para que estes dias se repitam.