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Como a pauta norteadora de 2019/2 debatida pelos alunos e professores dos cursos de Comunicação da Faculdade Araguaia pode ser vista como uma forma de percepção, entendimento e respeito com a coletividade
Em uma sociedade em que os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos, se faz necessário discutir os desafios de se reconhecer o outro. A concepção de alteridade parte da compreensão da figura desse outro e do pressuposto de que como indivíduos interagimos e interdependemos em sociedade.
Existem pessoas que estão trabalhando para contribuir com o desenvolvimento de projetos que trazem à tona essas necessidades. Entender melhor o outro e desempenhar um papel que modifique o cenário de egocentrismo crescente nos tempos atuais.
A Mestra em Crítica Literária e professora universitária Sandra Paro, acredita que a pauta norteadora desse período vem muito a calhar. “Mostra esse desprendimento do eu. Viver em sociedade não é só você se preocupar com o que te interessa, mas com o que interessa para todos”, afirma.
Para a docente, a busca por informação por parte da sociedade é de suma importância para entender o outro. “O que o outro pensa, o que o outro sente, o que o outro necessita. A sociedade ainda não entende, não necessariamente aceita, é preciso que nós olhemos para o outro”.
Alteridade e Comunicação: Diálogo e Reconhecimento Entre Eu e o Outro é o eixo-temático deste semestre discutido pelos alunos e professores dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Faculdade Araguaia.
A coordenação dos cursos lançou o tema no dia 9 de setembro na Unidade Bueno das 18h30 às 22h, abrindo a Semana de Integração Acadêmica. O evento busca recepcionar os calouros e promover a união dos alunos novatos e veteranos por meio de debates, encontro de egressos e apresentações das atividades que serão realizadas ao longo do semestre.
Entre os dias 11 e 13 de setembro a recepção dos alunos ocorreu na Vila Cultural Cora Coralina, espaço em que foi realizada a Mostra Audiovisual de Resultados Acadêmicos (MARA), uma exibição de trabalhos feitos pelos alunos da faculdade, que foi aberta ao público. Tanto a pauta norteadora quanto a MARA foram ideias sugeridas pela professora e pesquisadora de audiovisual Verônica Brandão, com o objetivo de pensar nas minorias, quebrar o discurso de ódio e preconceito, provocando reflexão acerca desses temas.
“Foi uma necessidade que eu percebi através da mídia mesmo, dos assuntos sócio-político-culturais que vivemos atualmente. A gente está vendo e ouvindo tanto discurso de ódio, muros sendo construídos, armas sendo levantadas, pessoas morrendo na beira da praia tentando entrar num país que não é o seu para sobreviver. E percebendo também a cultura pop. A gente está numa ebulição, filmes falando sobre. A gente teve ‘Roma’ que concorreu ao Oscar, que fala sobre pessoas mexicanas, uma luta, uma solidão, a gente está lidando com o vazio”, explica Verônica.
O designer gráfico Hugo Carvalho considera a alteridade importante para que a população possa reconhecer os outros dentro do espaço. “No momento, nós somos uma minoria só por questões de discriminação, mas como um todo, somos uma grande maioria e com isso, ocupando nossos espaços, a gente pode sim conseguir uma equidade de direitos perante a sociedade”, defende Hugo.
Segundo ele, por ser transgênero, já passou por algumas situações em que sofreu preconceito. “Desde arrumar serviço, usar banheiro, apresentar uma pessoa para a família, dentre outras coisas. O tempo inteiro a gente acaba passando por alguma discriminação”.
Para Hugo Carvalho, uma maneira de exercitar a alteridade seria a educação sexual. “Para respeitar a sexualidade da outra pessoa e a identidade. Você saber separar o sexo biológico do gênero e da sexualidade. Respeitar isso, não só saber diferenciar, mas saber respeitar também, como um todo já ajudaria muito”.
Ele acredita que além de alteridade, falta ainda inclusão, equidade de direitos principalmente no mercado de trabalho. “Temos muitas pessoas LGBTs que são sensacionais, mas que não conseguem evoluir em questões socioculturais ou trabalhistas justamente por essa represália da sociedade. Somos totalmente marginalizados então tem que acabar com essa marginalização”.
Para que a sociedade possa entender mais sobre o outro, Hugo também defende a ideia da criação de programas contra a discriminação. “Entender que o outro é diferente e pode. Ele é além disso, ele é além da identidade, ele é além da sexualidade, ele pode fazer parte da sociedade sim e pode contribuir muito”.
NAP: PROCESSO INCLUSIVO E BUSCA PELO BOM DESEMPENHO DO ALUNO
A psicopedagoga Maria Lúcia Gonçalves explica que a alteridade é um tema relacionado ás Ciências Sociais. “Principalmente à Antropologia e hoje em dia o tema está sendo muito levantado diante de tudo que nós estamos vivenciando”. Para Maria Lúcia é preciso entender que a alteridade é um pouco saber de si para estar com o outro. “Para entender esse outro eu não tenho só que me colocar no lugar do outro, porque isso seria uma empatia, eu preciso simplesmente entender os motivos que o levam a fazer alguma coisa, sem precisar de julgamento”.
Ela acredita que a alteridade precisa ser mais trabalhada mas para isso é necessário entender que o outro às vezes não consegue atingir objetivos que são determinados por cada um. “A partir desse momento nós paramos com o julgamento do que eu acho que deveria ser feito e olho para o outro pelo que ele é, pelo que ele pode oferecer, independente da minha perspectiva mas sim da real possibilidade que ele traz”.
Maria Lúcia Gonçalves está à frente do Núcleo de Atendimento Psicopedagógico (NAP) da Faculdade Araguaia há oito anos. Segundo ela, o maior objetivo do núcleo é o atendimento ao aluno, tendo ele uma dificuldade que possa ser temporária ou que se estenda e e precise acompanhar até o final do curso.
“Nós estamos aqui para dar um apoio ao aluno, nas suas questões relacionadas a aprendizagem. E para isso nós trabalhamos com os alunos, fazemos orientação com os professores e com a coordenação. Para que durante o processo de aprendizagem do aluno ele consiga caminhar de uma maneira mais eficaz e sem desistência diante dos obstáculos que ele vai construindo, vai eliminando e vai superando durante o processo acadêmico.”
Para Maria Lúcia a trabalho desenvolvido pelo NAP vai de encontro ao processo inclusivo que a educação propõe por meio da alteridade. “Nós em qualquer momento da vida podemos estar precisando desse processo inclusivo. Então é uma inclusão por uma dificuldade de aprendizagem, é uma inclusão por uma dificuldade física, é uma inclusão até por uma gestação, que às vezes precisa de um acompanhamento para estar tendo um melhor desempenho. Seja qual for o processo inclusivo, nós estamos sempre abertos para fazê-lo.”
Ela afirma que o retorno do trabalho que desenvolve tem sido positivo e busca trazer um pouco de humanização dentro do processo de educação para construir alteridade. “O melhor retorno que eu tenho tido é o retorno dos meninos que por aqui passam. Nós temos muitos alunos que já passaram aqui e eu acho que pra avaliação que vocês tem aqui na Comissão Própria de Avaliação (CPA) temos um ótimo índice de avaliação.”
No entanto a psicopedagoga avalia que a sociedade ainda não está acostumada a conviver com as diferenças. “nós esperamos que o outro seja o espelho daquilo que o nosso ego deseja que ele seja. “Nós não aceitamos o outro pelo que o outro é e pode nos dar, mas nós queremos que o outro seja exatamente aquilo que eu desejo, que eu projeto que o outro seja. E quando ele não dá esse retorno, aí cria um estranhamento que já não é tão agradável. No fundo nós agregamos em comunidades, em identidades aquilo que cada grupo tem em comum e me mantenho ali, sem abrir para verificar a diversidade que existe.”
ALTERIDADE E EMPATIA: IMPORTANTES MAS COM CONCEITOS DIFERENTES
O tutor universitário Alexandre Pinheiro acredita que é importante o debate acerca da alteridade, bem como a sua aplicabilidade nos tempos atuais. “Alteridade está pautada no sentido da preocupação com o outro. Nós nos olharmos e observarmos o universo e também poder auxiliar, poder ouvir o
discurso do próximo, e dar a ele um sentido”.
Ele esclarece a diferença entre empatia e alteridade. “A empatia também significa em outros termos o olhar pelo outro, mas a empatia é se colocar de fato no lugar do outro. Enquanto na alteridade você tem a possibilidade de discutir determinados assuntos sem a preocupação dos discursos serem contrários. Encontrar um meio-termo entre esses discursos e aí dessa forma conseguir então um encaixe”.
Com formação em História e Direito, especializações nas áreas de Direitos Humanos e Direito Civil, Alexandre Pinheiro também é mestrando em Direito e Políticas Públicas. Ele argumenta que dentro do Direito se observa a possibilidade da alteridade se vincular aos direitos fundamentais. “Nós temos no direito, uma divisão sistemática do estudo do Direito Constitucional em que é divido em categorias. E essas categorias são os direitos de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta dimensão. Direitos esses direitos humanos, direitos fundamentais.”
Alexandre Pinheiro explica que ao analisar a terceira dimensão dos Direitos Humanos, voltada a esse direito constitucional, se verifica a questão de olhar ao próximo. “Nós vemos que a lei positiva a possibilidade de termos a assistência às pessoas futuramente. Então quando se traz conceitos de direito da criança, direito do idoso, direito do consumidor, é um direito em que não se é apenas presente no momento, mas uma preocupação de sistematizá-lo para gerações futuras e todas essas gerações possam conseguir a efetivação deles”.
Segundo Alexandre Pinheiro os princípios da alteridade estão relacionados com a convivência em conjunto para manter a sobreviência em sociedade. “Desde os primórdios o ser humano procura se fixar em território para poder inclusive sobreviver e não se tem essa sobrevivência a não ser em grupos que são formados justamente para proteção humana”.
Dentro da História o professor também reconhece outro vínculo do homem com a alteridade. “Nós verificamos pós-Segunda Guerra Mundial a criação da ONU: um momento em que se discute a percepção da paz e também a não-violência, a não-escravidão, o não-massacre e foi discutido e de fato efetivado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, com cerca de 35 artigos, que falam justamente dessa percepção do próximo”, elucida.
O professor Alexandre Pinheiro acrecenta que a sociedade é multicultural e que respeitar as diferenças, por exemplo no aspecto religioso, é uma forma de exercitar a alteridade. “Sabemos que a maioria das pessoas do país são pessoas religiosas, da parte católica e outras partes evangélicas. Dentro desse princípio da alteridade elas precisam inclusive respeitar outras opiniões e outras religiões, porque vivemos em um país laico. No entanto, as pessoas costumam atacar aquilo que é estranho ao que ela vivencia”.
BUSCA PELA INFORMAÇÃO ESCLARECE DÚVIDAS SOBRE AUTISMO
Sandra Paro acredita que olhar para o outro é importante e que é na inclusão que a gente tem que exercitar isso cotidianamente. Ela tem uma filha de seis anos, Valentina, que foi diagnosticada em 2015 com autismo. “A maternidade transcorreu de maneira normal até mais ou menos um ano, um ano e meio, mas eu tinha desconfiança, porque apesar dela ter um contato e uma convivência boa conosco, estava com alguma dificuldade para se comunicar, então procurei ajuda profissional”, declara.
Segundo Paro, uma das grandes inseguranças dos pais de crianças autistas é descobrir se elas vão falar ou não. Com três anos Valentina começou a falar e foi curiosamente estimulada pelas letras. “Ela começou a falar ‘aeiou’, leu na verdade. Ela conseguiu organizar e ler. Então ela vai falar”, relembra Sandra, que depois disso, iniciou uma corrida para descobrir os melhores estímulos para a filha.
A busca pelo progresso da filha estava relacionada também com o fato de Sandra Paro ser professora e leitora. “Eu li muito sobre o assunto, me especializei de diversas maneiras sobre o autismo e recursos terapêuticos que eu pudesse utilizar com ela e ajudar os profissionais complementando o trabalho deles em casa”, afirma.
A professora acredita que desde quando Valentina foi diagnosticada, muita gente já sabe o que é autismo. “Os meus alunos da faculdade e da escola já tem essa liberdade de querer saber mais e conversar comigo sobre o assunto, de me chamar pra dar uma palestra, ou para informar pessoas que tem pouco acesso à esse tipo de informação. Então eu acho que a sociedade precisa primeiro de informação, é uma necessidade, ela precisa sim se adequar, não é pura e simplesmente por causa do autismo, são vários os
transtornos”, esclarece.
ESCOLA REGULAR TRAZ INCLUSÃO PARA CRIANÇAS AUTISTAS
Hoje Valentina estuda em uma escola regular. Sandra defende a ideia de que a escola pode se tornar melhor quando diversificar e receber outras crianças, com novas propostas e desafios. “A escola regular, é uma escola que vai trazer a ideia de inclusão um pouco mais próxima da gente, porque ela vai estar inserida num ambiente social, como outra criança qualquer. E mesmo que ela apresente alguns déficits no relacionamento, ela vai poder ali ter modelos de como ela deve se comportar socialmente”.
Nesse processo de inclusão, a mãe de Valentina observa que não só a criança convive com o outro, mas a sociedade aprende muito com ela. “O que essas crianças especiais tem para nos trazer? Ensinamentos, aprendizagem. Eu sou uma pessoa muito melhor graças à minha filha autista”, ressalta.
APLICATIVO QUE AUXILIA TRATAMENTO ESTÁ DISPONÍVEL PARA DESKTOP, ANDROID E IOS
O estudo e dedicação trouxeram resultados que podem ser compartilhados para levar auxílio e esclarecimento para mais pessoas. Sandra Paro e o marido Vinícius Reis desenvolveram um grande projeto que auxilia e implementa o tratamento, o ABA+.
Sandra Paro, explica que ABA, Applied Behavior Analysis, ou Análise do Comportamento Aplicada, é uma ciência que possibilita, na sua aplicação, um avanço mais rápido da criança com autismo. É estruturado e mensurável. “Nós usamos a ideia do estruturado e do mensurável para transformar isso num software, que iria acelerar esse processo de registro do tratamento da Valentina e gerasse mais eficazmente relatórios de objetivos do que ela ainda não conseguia fazer e gráficos de desempenho daquilo que ela já teria alcançado”, argumenta.
Vinícius é engenheiro de software e tem uma grande habilidade com desenvolvimento. Sandra diz que começou a estudar Análise do Comportamento e a literalmente “atormentar” todos os profissionais que atendem a filha. Os profissionais disseram que seria uma ótima ideia transformar “uma papelada gigantesca” de registros em um software. Então o que inicialmente fizeram para Valentina se tornou representativo para a sociedade de um modo geral.
A professora destaca que depois de ver uma oportunidade de implementar a ideia como uma startup voltada para tecnologia e assistência das crianças, o projeto cresceu dentro da proposta inicial. Após estudos, Sandra se tornou a principal produtora de conteúdo, conscientizando e prestando consultoria para quem quisesse saber mais sobre o assunto.
No dia 17 de setembro o ABA+ celebra um ano e está agora com jogos para autistas. “São aplicativos que fazem com que ao jogar, eles adquiram habilidades que talvez não tivessem fixado completamente na aplicação do tratamento”, declara Sandra.
O ABA+ é destinado para profissionais que atendem autismo, além de professores, já que está sendo implementado para atender especialmente as crianças em sala de aula. Sandra Paro finaliza dizendo sentir muito orgulho do projeto. “É possível você perceber nitidamente o avanço. Realmente ele tem feito com que nós avancemos cada vez mais”.
Reportagem: Diego Ramon, Dilma Zago, Marcos Ferreira, Rauena Bezerra, Salma Ataíde e Telma Renata.