Redação: Bárbara Cristina de Moura França e Samara Lorrane Ferraz Santana Veiga
Edição: Ana Maria Morais
A Penitenciária Feminina Consuelo Nasser tem, atualmente, 75 detentas, com uma média entre 29 e 35 anos, sendo uma idosa. O complexo tem apenas detentas já condenadas, não há provisórias. A média de tempo de detenção das internas é de seis a oito anos e, às vezes chegam a 10 anos, explica a diretora do presídio, Daniela Cruvinel.
Ela relata que as detentas passam por uma triagem no semiaberto, teste covid e em caso de negativo em até sete dias são encaminhadas ao presídio, no qual serão entrevistadas pela assistência social, psiquiátrica, enfermagem, para ter controle em caso de medicamentos ou problema de saúde, passando também pelo clínico geral. Além disso, o presídio conta, semanalmente, com profissionais de odontologia, psicologia, clínica geral e psiquiatria.
Questionada sobre as oportunidades de trabalho dentro do Presídio, Daniela Cruvinel assegura que “100% das presas trabalhando”, destacando que esse é o dado que lhe causa maior alegria, já que na antiga gestão apenas 15% das presas estavam integradas em um serviço. A diretora explica que as vagas remuneradas, que abrangem vários setores, são oferecidas pelo Estado, no entanto, todas trabalham dentro do Presídio.
Um exemplo de trabalho dentro do Complexo é o “Tecendo a liberdade”, em que as internas fazem itens de tear. Também há as internas que trabalham na limpeza para alcançarem a remissão da pena. E ainda detentas que atuam em empresas terceirizadas que funcionam dentro do presídio, é o caso da “Pitbull”, da “Inovar” e “Telemon”.
Segundo Daniela, quando elas saem não é fácil voltar para o mercado de trabalho. Por isso, hoje o Presidio tem parceiros que as encaminham para a escola, cursos profissionalizantes para auxiliar nesse processo. Além disso, são oferecidas especializações às internas para incentivá-las a ter um caminho a seguir ao cumprirem a pena. “Já tivemos aqui o curso pintura imobiliária, assentamento de piso e revestimento, panificação, inclusive com a Paola Varocelle”, destaca.
Acerca do acompanhamento de internas grávidas e lactantes, a diretora conta que elas são acompanhadas por médicos e enfermeiras, com o pré-natal pela rede pública. Acrescenta que em caso de lactantes, tem o berçário em que a mãe fica com a criança com a prioridade para amamentar.
Sobre a rotina das detentas, a diretora afirma que elas têm 2h por dia de banho de sol, o que acontece coletivamente, com exceção de uma das celas, a de número 14, que é destinada a internas que ficam isoladas, sem convívio com as outras.
Daniela conta que assim como a mulher tem ocupado espaço em várias áreas da sociedade, há também a presença feminina em funções importantes em muitas facções criminosas. “O Estado de Goiás está atento a esse tipo de situação e a gente consegue mapear as presas que são faccionadas”, disse a diretora, e ainda explicou que o Estado é o detentor de saber em quais celas essas devem ficar.
A diretora informa que o crime predominante entre as internas é o tráfico de drogas, seguido de homicídio e próximo deste, latrocínio. Sendo que atualmente a reincidência média é de 65%. “A gente tem trabalhado cada vez mais para diminuir esse índice no seguinte sentido, conseguir encaminhá-las para o mercado de trabalho”, afirma. “A gente percebe também que o uso de droga influencia muito na questão da criminalidade porque acaba que elas utilizam a droga, daí começa a roubar para conseguir o dinheiro para comprar mais e vira uma bola de neve, até que elas vêm parar aqui”.
Ela assegura que a droga no presídio atualmente é quase inexistente, não sendo permitido nem o cigarro. Devido ao isolamento da Covid-19, diminuiu muito a entrada de substâncias dentro das celas.
Devido ao isolamento social, a maioria das audiências está sendo realizada de forma on-line, por meio de videoconferência, de dentro do complexo prisional, sendo que algumas audiências já retornaram de forma presencial.
As entrevistas com os advogados, o parlatório, é agendado e pode ser feito de forma remota ou presencial. Os familiares, atualmente, podem entrar em contato com as internas por meio de videochamadas, devido à suspensão das visitas.
Desafios psicoemocionais
O abandono em cárcere é uma realidade incidente no presídio feminino, segundo Daniela. “A maioria delas são abandonadas no cárcere quando são presas”, diz, acrescenta que é comum quando o homem é preso, a companheira continua fiel nas visitas, na assistência ao detento. “Eu costumo dizer que ela cumpre a pena junto com o parceiro, já a mulher não, se ela tinha um parceiro, é abandonada. Muitas vezes ela é abandonada pela família também”, narra, lembrando que há uma cobrança social maior sobre as mulheres quando são presas.
Para ilustrar sua percepção sobre esse fato, Daniela relatou ainda sobre a história de uma mãe que tem um filho e uma filha detidos, e que ela visita somente o filho, como se ele não merecesse estar detido, e justifica a ausência de visita à filha com o seguinte argumento: “Minha filha? Quem mandou essa vagabunda se envolver com quem não presta”.
“O que mais vejo que dói nelas é essa questão do abandono”, lamenta Daniela, relatando que, devido ao abandono, é comum que as internas desenvolvam relacionamentos afetivos entre si, se apegando, por terem o contato apenas entre elas. “As que menos abandonam são as avós. É uma das coisas que mais me chamam atenção, porque era o momento de curtir a velhice, mas escolhem cuidar dos netos”, disse.
Questionada sobre um padrão que possa ter cooperado com a prática de crimes e que seja semelhante no histórico das internas, Daniela conta que é muito difícil receber uma presa que tenha tido uma boa estrutura familiar. “A maioria delas ou foi abandonada, ou teve um histórico de abuso”, lastima, afirmando ainda que é notável que o problema é mais social do que de segurança pública.
A respeito de crises psicoemocionais, a maioria das internas sofre de ansiedade e depressão, potencializadas com a situação do cárcere. “Tem a questão da automutilação que não chega a ser uma tentativa de suicídio, mas que as vezes é para chamar atenção de alguma forma”, acrescentou.
Daniela conta que as vezes as servidoras fazem papel de mãe, conselheira, psicóloga, e que até criam uma certa dependência emocional com elas. “Às vezes elas querem vir aqui só para desabafar”, conta, ressaltando que as internas têm liberdade para conversar com as policiais penais.
“A dignidade da pena”
A diretora conta que quando há a dignidade da pena no período de detenção, a possibilidade de reincidência é menor. “A pessoa tem que cumprir a pena, mas não está escrito em lugar nenhum que cumprir a pena signifique comer a pior comida do mundo, ou ficar 22 horas preso em um local insalubre, isso não significa cumprir a pena”, disse.
E ressalta que o simples fato de não ter o direito de ir e vir, de estar isolado em um ambiente, é uma punição suficiente: “A nossa função como policiais penais é muito maior que custodiar, a gente precisa preparar essa pessoa para ela voltar à sociedade. Eu acredito na reintegração e acho que é o caminho”.
Daniela destaca ainda que praticamente todas as detentas desejam trilhar um caminho diferente após cumprirem a pena, e que a chama acesa de uma esperança para o futuro é o que as fortalecem a viver o período da detenção. “Eu quero ver a dignidade dela restaurada, quero ver ela saindo daqui de cabeça erguida”, reforça, acrescentando que quer ouvi-las dizendo: ‘eu cometi um erro, eu paguei por ele, mas agora eu vou recomeçar e não vou voltar’.
Para finalizar, ela falou sobre uma egressa que passou pelo presídio três vezes, tem cinco filhos, e teve a oportunidade de narrar sua história para uma matéria gravada em vídeo. “Ela recuperou a guarda dos filhos, estava costurando pra fora e fazendo faculdade de Engenharia. Através dos cursos que ela fez aqui despertou interesse pela faculdade e está fazendo. Quando vejo esse tipo de notícia, tenho a sensação de dever cumprido”, finaliza.