Redação: Beatriz Borges
Edição: Ana Maria Morais
Abdul Pedro Manuel Muchingeca, 32 anos, psicólogo, publicitário e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás, chegou ao Brasil em janeiro de 2011, através do Pec-G (Itamaraty), ficou 15 dias no Rio de Janeiro e depois veio para Goiânia: “Era para ser apenas por quatro anos, mas durante a graduação os professores incentivaram para emendar um mestrado”, relata. Além do Brasil, Abdul conta que também já percorreu Portugal, França e Argentina e revela que pretende conhecer outros lugares com sua esposa, que é brasileira. “Hoje me sinto um cidadão universal”. Confira a entrevista completa abaixo:
Quando e como foi sua chegada ao Brasil?
Olha, eu cheguei ao Brasil em janeiro de 2011, através do Pec-G (Itamaraty) fiquei 15 dias no Rio de Janeiro. Cheguei em Goiânia em fevereiro. Morei inicialmente na CÉU da praça universitária (3 meses para adaptação à cidade). Era para ficar apenas quatro anos e retornar para Angola, mas durante a graduação demonstrei interesse e recebi grandes estímulos dos professores para emendar um Mestrado, além de já ter conhecido na sala de aula minha namorada Thaís Cipriano (hoje, esposa). Criava-se, assim, uma situação que me fez colocar dúvidas quanto ao retorno imediato para Angola. Acabei ficando e, hoje, estou brasileiro naturalizado.
Como foi sua chegada ao Brasil?
Ao chegar, você se encanta primeiro pela beleza do Rio de Janeiro. Goiânia, no começo, foi um susto devido ao aeroporto antigo que não estava à altura da cidade. Mas ao adentrarmos nela, percebemos sua beleza, rica gastronomia, importância geoestratégica, política e história.
O choque cultural foi muito grande?
Nem tanto, o Brasil é midiaticamente hegemônico em Angola. Portanto, não tive choque cultural significativo. Com o passar do tempo é que você vai descobrindo as fraturas internas, a imensidão territorial, a desconstrução do mito da igualdade racial, a desigualdade social, enfim, os vários brasis que aqui convivem. O Brasil não chega a ser uma grande novidade para Angola, mas é aquela viagem aspiracional a se fazer devido ao que é vendido nas telenovelas. Globo e Record, ambas as emissoras estão em Angola, a globo desde os anos 80.
Vi na sua palestra que um motorista no Brasil, chegou a perguntar se você veio jogar futebol. Como foi isso?
Eu venho de uma família de classe média de Angola. Na faculdade isso me rendeu o título brincalhão de “príncipe de Angola”. Como ainda não tinha carro próprio, no início, eu costumava andar de táxi com certa regularidade até que um dia, chamo mais um táxi e ao longo da viagem o motorista decidiu se entrosar comigo. A primeira coisa que me perguntou foi: você é o novo reforço do Vila Nova? Não sei se ele é fã do clube ou porque estávamos naquelas imediações, eu retruquei: por quê? Ele tentou justificar dizendo que eu tinha um corpo atlético etc. Eu, imediatamente, rebati dizendo que não. Disse-o que ele estava tão acostumado a ver apenas pessoas negras só de ônibus e com certa aparência. E, para ele e muitos outros, pessoas negras fora daquele padrão pré-constituído, só poderiam ser ou jogador de futebol ou cantor. Ele ficou me ouvindo. Foi aí que eu disse, pois é, perguntaste se era o novo jogador do Vila, então, não sou, sou pesquisador da UFG, neste momento levas-me para dar aulas lá no estágio-docência. Terminamos assim o assunto. Pedi que contasse aquele acontecimento aos filhos quando chegasse em casa.
Como você vê o Brasil hoje?
Olha, eu vejo um país magnífico, em tese, com muitos problemas enraizados. Nada é mais fabuloso que a diversidade raças, etnias e credos. O que há cá é um regime de grandes continuidades com uma mentalidade escravocrata, o que tem como consequência a tamanha desigualdade social. Não deixei de admirar o país. É lindo, cheio de coisas boas, completo. Mas que precisa continuar a lutar pela diminuição radical da desigualdade e isso passa irremediavelmente pelo combate ao racismo e todas as situações eclipsadas por esta ideia dominante.
Pretende ir para outros países?
Com certeza. Já estive em Portugal (Lisboa e Porto), França (Paris) e Argentina (Buenos Aires). Hoje me sinto um cidadão universal. O que mais adoro fazer é conhecer novos lugares. Novas ideias, jeitos diferentes de pensar e enxergar a vida. E como o hobby favorito da minha esposa é viajar, penso que tenho parte do caminho resolvido.